quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Zé Amou Primeiro

Por Marco Alcantara

Ninguém conhecia Zé, ninguém olhava para o Zé e ninguém queria ser o Zé. Zé era só mais um Zé em um país de zezinhos.


Afinal, Zé era sujo, confundido com bêbado ou um vagabundo faminto, e assim excluído por uma sociedade que todos os dias lhe bofeteava com a indiferença.

Ele saiu da escola logo no segundo ano primário, Zé teve que escolher entre o lápis e a escrita e o cabo da enxada na roça, entre o conselho da professora e a necessidade de sua família. Mas aprendeu a ler e lia todos os dias, todos os tipos de livros que pudesse arrumar, imaginava que lendo poderia mudar sua realidade.

Quando foi tentar a sorte como tantos outros Zé’s na cidade grande também teve suas derrotas uma após a outra e assim começou a revirar o lixo atrás de comida.

Um dia Zé achou uma bíblia, sempre conheceu o pai nosso e alguns salmos que lembrava de ter ouvido de sua mãe, mas nunca leu a bíblia de capa a capa, mas agora decidiu fazer isso e começou ali mesmo sentado na sarjeta.

E pensou que talvez fosse algum sacrilégio alguém ter jogado um livro que para ele era tão sagrado, por outro lado pensou que talvez a bíblia tivesse parado ali por engano de alguém. E pensou de novo e suspirou no cansaço de uma vida castigada. Mas por hora tentou parar de pensar nestas coisas e buscou ler com toda sua atenção aquele livro que até então era desconhecido para ele.

Zé nunca foi de ir para a igreja mesmo no interior não entendia o latim do padre, não se interessava pelo barulho das pessoas que gritavam em línguas estranhas. Tudo aquilo era muito incompreensível para Zé e ele concluiu que se as pessoas que dizem ter intimidade com Deus são assim tão confusas e complexas então Deus para um homem sem estudo é inalcançável.

Zé quase que literalmente comeu a bíblia toda em pouco tempo. Estarrecido por suas descobertas ele começou a digerir seu alimento de palavras, capítulos e versículos.

Pensou e reconheceu que a bíblia era cheia de Zé’s como ele e viu que até existia um Zé que foi crucificado e mostrou que o amor não escolhe classe social, graduação escolar ou boa aparência. O amor e a graça que era uma palavra nova que ele sentia dizer muito, mas que ainda não compreendia por completo eram tão acessíveis que o surpreendia como uma novidade que o extasiava.

Percebeu que o amor e a graça só precisavam de pessoas dispostas a serem cartas vivas para que agisse no mundo. Também percebeu que o antônimo do amor não é o ódio e sim a indiferença que ele mesmo sofria. E percebeu mais ainda; o mundo o odiava com indiferença.

Zé decidiu não ser mais um Zé ninguém, decidiu que amaria mesmo sendo ignorado e achava até graça nisso.

Ele levantou olhou para o alto onde o sol lhe queimava a face, sorriu e percebeu que Deus o amou primeiro. E ele decidiu também amar primeiro, amar primeiro quem o ignorava tratando-o com indiferença.

E percebeu que o seu próximo não é somente o que também sofre das mesmas dores, ou seja, o seu igual. Ele percebeu que seu próximo também é quem não o agrada é o que o odeia sem mesmo saber quem é o Zé.

A vida ensinou para Zé que todos nós suportamos muito bem o mal dos outros. Também não entendia nada de pecado, mas sentia que o maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los, mas sim tratá-los com indiferença que é a essência da desumanidade.

Zé sentia que a indiferença era o sono da alma, mas hoje sua alma foi desperta pela revelação da graça que é acessível a todos os homens.

E daquele dia e nos dias que estavam por vir, Zé amou primeiro.
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